ARTIGO: A Tragédia dos Comuns

Quando o Interesse Individual Bate de Frente com o Bem Coletivo

Por: Samuel Barbi*

A “tragédia dos comuns” acontece quando muitas pessoas compartilham um mesmo recurso, como o mar, os rios e o ar. Cada pessoa tem seu próprio interesse em usar o recurso o máximo possível para se beneficiar, mas se todas as pessoas o usarem demais, o recurso pode ser prejudicado e se acabar. Isso acontece porque cada pessoa pensa que seu pequeno uso extra não fará diferença, mas quando todos pensam assim e usam mais do que deveriam, o recurso comum pode ser destruído para todos. A tragédia dos comuns destaca o conflito entre os interesses individuais e a necessidade de cuidar dos recursos que todos compartilham.

Água e Esgoto

Vamos pensar na tragédia dos comuns sobre os serviços de água e esgoto. Imagine que em uma cidade, todo mundo tira água de um mesmo rio para plantar, beber, dar aos animais, lavar roupas, despejar seus esgotos e outras coisas. Pense também que ninguém paga nada por isso.

Existe aqui um incentivo a que cada pessoa tire o máximo de água possível para atender às suas necessidades. Isso parece ótimo para cada pessoa individualmente, certo? O problema é que se cada pessoa pegar mais água do que o necessário ou mesmo despejar grandes quantidades de esgoto sem tratamento, o rio pode ficar vazio, sujo e não servir mais para nenhum de nós. Cada pessoa pode pensar que seu uso não faz muita diferença, mas se todos pensarem assim, o rio vai sofrer muito.

Uso Consciente

Essa é uma das razões pelas quais a água não pode ser gratuita e o esgoto precisa ser cobrado. É necessário estabelecer preços que apontem para o uso consciente dos recursos naturais para que não sejam superexplorados.

A tarifa de água e esgoto segue esse padrão. Quanto maior o consumo maior o preço pago por metro cúbico consumido. Isto é, se você utiliza água apenas para usos essenciais como beber, cozinhar, tomar banho e dar descarga, pagará muito mais barato do que alguém que tem jardim e piscina dentro de casa.

Agências Reguladoras

Quem define o valor das tarifas de água e esgoto são agências reguladoras do setor. Para além de promover o uso consciente dos recursos, é necessário que as tarifas cobradas sejam capazes de garantir os serviços para a população em quantidade e qualidade. E existe uma grande indústria por trás disso, em que são necessários investimentos, manutenção e melhorias contínuas. As agências calculam isso detalhadamente em processos de revisão e reajustes tarifários, colocando metas de desempenho para os prestadores (como Copasa e Copanor, por exemplo). Caso as metas sejam cumpridas, esses prestadores podem ser bonificados, caso não consigam atingir podem ser penalizados por isso.

Esgoto como Serviço Coletivo

Algumas pessoas têm questionado a tarifa de esgoto, alegando inclusive que a população está sendo roubada. Isso porque atualmente a tarifa de esgoto calculada pela Arsae-MG para a Copasa, maior prestador de serviços de água e esgoto de nosso estado, representa 74% do valor de água. Existem ainda muitos municípios que não têm tratamento de esgoto em nosso estado.

A questão é: como pode existir cobrança de esgoto para aqueles que não têm tratamento? A resposta é complexa. Quando a cobrança era apenas para quem tinha tratamento de esgoto estavámos caminhando para a tragédia dos comuns. O prestador investia em tratamento e os municípios não queriam aderir a esses serviços para que a população não fosse cobrada. Isso desincentivava os investimentos e ampliava a poluição de nossos rios. Atualmente pagam todos, em menor montante, para que à medida que o tratamento de esgoto seja implementado em todas as cidades, não exista resistência à adesão desse importante serviço ambiental.

Conclusão

As agências reguladoras são guardiãs do interesse público e do bem estar coletivo. Elas são responsáveis pelo cálculo das tarifas para que seja possível viabilizar os serviços para todos. O trabalho é longo e difícil, mas é extremamente importante evitar a tragédia dos comuns e garantir a disponibilidade de água para a nossa e as próximas gerações. Cuidado com os argumentos simples e inflamados que aparecem nas redes, eles só mostram um lado de uma difícil equação que enfrentam as agências reguladoras e prestadores de serviços do setor de saneamento.

*Artigo de opinião publicado originalmente no link

Samuel Barbi é Economista pela UFMG e mestre em Gestão e Regulação dos Serviços de Saneamento Básico pela Fiocruz. É autor de artigos publicados em revistas e eventos nacionais e internacionais e professor convidado e palestrante em diversas instituições e eventos em temas relacionados à regulação dos serviços de saneamento (FGV-RJ / ANA / Ministério das Cidades / European Consortium for Political Research / ABAR / World Water Forum / Rio Water Week). Foi Gerente de Informações Econômicas da Arsae-MG, tendo gerenciado anteriormente as áreas de Fiscalização Econômica e de Regulação Tarifária da Agência. Samuel é servidor de carreira da Arsae-MG.

 

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